Monday, May 15, 2006

DESPERTAR DAS ÁGUAS --Poema de Antonio Miranda --




Lançamento do livro
DESPERTAR DAS ÁGUAS
poemas de Antonio Miranda
e CD
CANÇÕES PERVERSAS
letras de Antonio Miranda
e músicas de XULIO FORMOSO (Venezuela)
Com os cantores
ELGA PÉREZ-LABORDE
GEORGE DURAND
DESPERTAR DAS ÁGUAS
Poema de Antonio Miranda

I
Águas estagnadas desde tempos imemoriais,
águas de chuvas empoçadas, nas margens
do rio, águas diluvianas evaporando-se
e retornando mornas, refeitas, minerais.
Aprazíveis. Águas decompostas, represadas,
como instintos domados, vazando
pelas várzeas, brenhas, banhados.
Águas turvas sob um céu de abismo,
gotas d’água marcando águas lúcidas.
Natureza feraz, indiferente
aos clamores e valores humanos.
Em correntezas repentinas, em líquidas
paisagens de espanto e estupor.
Éramos tão pequenos naquelas águas
Todas, e árvores tão grandes! Tudo
tão longe ali tão perto e incerto.
Havia peixes escorregadios, promíscuos
e pássaros pairando nas alturas.
Águas feitas de suores dissolutos,
daqueles povos plantados na terra,
sem remissão e sossego. Condenados.
Seres alegres, saltitantes, loquazes, festivos,
como alimárias ribeirinhas domesticadas.
Esperançosos. Simples. Primitivos.
II
Chuvas em movimento constante, andantes,
Erradias, intempestivas. Seguidas de sóis
abrasantes, ardentes, inclementes. Chuvas
torrenciais e estios intermitentes, insistentes
que secam a terra, estirões distantes. Calores.

Éramos tão pequenos naquelas águas
todas, e as árvores tamanhas!
Andávamos descalços, nus, a esmo,
inocentes de tantas maldades atávicas,
tão indefesos apesar de rezas e de missas.
Pisando poças de água parada, brejos
vizinhos perto de casa — tão distantes!
correndo e gritando, pulando troncos
caídos, cipós e raízes aflorantes.

Tropeçando, levantando e entrando
nos espelhos de nuvens trêmulas,
refletindo espaços andantes, instáveis.

III
A sensação lívida e temerosa das ações
Inconseqüentes, livres de vigilância
E cuidados. Soltos. Em algazarra.

Que inocente sensualidade! Águas transpirantes.
Inconscientes do prazer compartilhado,
ausentes de qualquer responsabilidade.
Corpos imberbes roçando, atritando,
como peixes resvalantes entre ervas
flutuantes, agarrando-se, arfantes,
enfrentando-se com fúria, extenuados.

Viçosos como arrebentações vegetais,
como animais libertos, triunfantes.
Até que um imobiliza o outro, vencido
pelo cansaço, pela fadiga, pelo peso
do corpo. Sobre a presa inerte, ofegante,
mordendo-a com ímpeto e sentindo
um sabor álacre de saliva e espanto.
IV
Um tremor repentino, por todo o corpo,
um prazer assustado e intrigante.

Uma cega, avessa, e
súbita excitação.
Pequenos demais para o entendimento
de um destino selado, de uma identidade
aflorando
subjugante
na perplexidade
das águas trêmulas,
calafrio
e vislumbre.
Voltamos silenciosos para casa
Com uma culpa entranhável,
tomados de vergonha e encanto.
Próximo lançamento:
Biblioteca da Uniderp – Campo Grande, MS dia 24 maio às 17 hs.
Primeiros comentários recebidos sobre o livro:

Despertar das Águas (Thesaurus, Brasília, 2006) é um marco na produção poética de Antonio Miranda. A forma é livre, a linguagem nada tem de ameno, ao contrário, é às vezes decididamente amarga, na expressão do autor. São versos de memória e autoperquirição, desde o apego do nascituro à paz amorosa do útero materno até a revolta contra a mão destruidora do homem. O poema que estende o título ao conjunto é fortemente confessional, com metafóricas “águas decompostas, represadas, / como instintos domados”. “Meu Pai”, “Minha Mãe”, “Cemitério Familiar”, “Confissão”, “Um Desmemorial”, “Diário sem Autoria”, “Rio de Janeiro Madrugada 1957”, “Avenida Corrientes” (em que o pessoal e o social confluem), “Eu me Deleto” (em que, como em nenhum outro texto que eu conheça, a internet emerge como o ar, o meio ambiente do poeta) são composições que deixam marca no leitor. E acrescentam ao poeta uma dimensão nova. –
Anderson Braga Horta - Março 2006.
“... li com genuíno prazer. Você aborda, como verdadeiro poeta, uma variedade de temas, tendo sempre o que dizer de uma maneira toda sua. Depois de certa altura da vida quem escreve poesia ou prosa sempre deixa transparecer um certo pessimismo e desilusão. No seu caso, esse estado de espírito, muito enriqueceu o seu novo livro.
Armindo Branco MENDES CADAXA, RJ
DESPERTAR DAS ÁGUAS... (...) Subo as escadas do edifício em que moro, lendo-o. O poema-núcleo da coletânea é – simplesmente – belo. Lembra um filme de curta-metragem, principalmente ao chegar-se ao final das estrofes, quando o leitor, identificando-se com o texto, descobre tratar-se de uma daquelas fugas inocentes em direção ao rio de nossa infância, cujas gotas, biográficas, são marcas de pés nos caminhos de chuva. Todos, inclusive aqueles que só lhes falta inscreverem-se no idioma virtual dos computadores, são poemas escritos com a massa viva dos acontecimentos reais, mas nem tanto. É que o poeta, por mais direto que seja, prefere a metáfora. Para meu gosto pessoal, sua poesia me faz voltar a escrever poesia. Continuarei lendo o seu livro, até que o sono me transporte em suas águas lendárias, urbanas, transcendentais. Parabéns, inclusive, pela obra de arte gráfica, perfeita.”. JORGE TUFIC, Fortaleza, Ceará, mar.2006
Despertar das Águas Brasília: Thesaurus, 2006. 84 p. Formato 15 x 15 cm.
Capa de Tagore Alegria a partir de um trabalho gráfico de Patrícia L. Boero (Argentina).

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